Feb 24, 2013

Letramento digital


Falar, debater e estudar LETRAMENTO tornou-se, casualmente, algo constante nos últimos meses para mim. Tudo começou ainda em 2012 quando no grupo de pesquisa que orientei no Maristão faz Ciência tive o prazer de conhecer a literatura de Magda Soares e sua fantásticas contribuições sobre o tema. Em setembro, ingressando como aluno especial do doutorado, optei por cursar a disciplina Letramento científico e tecnológico, na Faculdade de Educação. O acesso a outros autores valeu a pena. Agora no início do ano, através do curso de Letramento Digital orientado pela Carla Arena, volto a me confrontar com o tema.

Existem inúmeras e interessantes referências sobre o tema. Poderíamos analisar Letramento com base nessas referências, mas aqui vou me abster das citações e tentar sintetizar aquilo que consegui significar a respeito.


Avalio que letrar seja um processo que agrega sentido ao que se entende formalmente como aprender. O aprendizado de qualquer conteúdo, habilidade, competência ou informação só se torna letramento à medida em que o que foi aprendido se conecta com a realidade e o cotidiano do sujeito. Aí me lembro das diversas vezes em que os estudantes questionam a escola, dizendo "e para que serve isso que estamos aprendendo?". Eis aí um clamor pelo letramento, daqueles que muitas vezes se conformam apenas com a alfabetização científica. Vale considerar que o letramento atende à uma das demandas da dita razão instrumental. Nesse sentido, julgo que no contexto em que vivemos, frente às exigências do sistema e do mercado, de nada adianta uma Educação que não tenha o letramento como base. Me arriscarei a indicar uma contribuição pessoal a esse conceito. Entendo que um sujeito letrado seja capaz, além de conectar seus aprendizados ao cotidiano, refletir objetiva e subjetivamente acerca dos efeitos que esse aprendizado tem sobre sua existência social. Significa ser alguém competente para medir, avaliar, planejar e ser ético em relação ao seu próprio conhecimento.

Na aplicação do conceito de letramento à dimensão tecnológica cabem algumas observações. Não é uma tarefa demasiadamente complicada capacitar os sujeitos para a utilização dos recursos tecnológicos digitais em suas demandas cotidianas. Um pouco de treinamento possibilita. Porém, em uma sociedade de inovação constante, o grande desafio se apresenta em capacitar reflexivamente esse sujeito em relação à tecnologia. Não creio que o humano seja capaz de medir e avaliar os impactos tecnológicos na mesma proporção em que os avanços se procedem. Temos aí uma questão desafiadora. Talvez tenhamos que aceitar o pragmatismo do letramento tecnológico para poder dar respostas às exigências que temos profissionalmente, diferentemente do letramento aplicado à outras esferas que dão um pouco de mais tempo para análises de ordem cultural e subjetiva.

É assim que me sinto em relação à tecnologia. Do ponto de vista técnico, pragmático, objetivo, julgo ser capaz de conectar as tecnologias às esferas do meu cotidiano. Uso a tecnologia para mediar minhas relações interpessoais, para me aproximar da cultura, empreender processos em minha profissão e facilitar atividades de rotina como o próprio consumo.  No entanto, em certos momentos careço de uma melhor autopercepção acerca do meu "jeito de ser tecnológico". Até mesmo pela minha responsabilidade de educação sociológica em relação aos estudantes, julgo que preciso construir fundamentações mais consistentes sobre os impactos da tecnologia no humano.

Por enquanto, me sinto satisfeito em notar que a tecnologia digital tem me favorecido no próprio ensino de Sociologia, atraindo os estudantes para esta velha, ativa e dinâmica ciência social.  Só falta um pouco mais de metaletramento.



Feb 20, 2013

DESVIO E CRIME

 
              Segundo a Sociologia,  para ingressar em uma sociedade o indivíduo precisa passar pelo processo de socialização. Graças à ação de entidades, grupos e instituições sociais o sujeito torna-se sociável, capaz de conviver no meio em que está inserido. No entanto, podemos verificar facilmente que a vida em sociedade nem sempre é harmônica e estável e nem sempre as coisas acontecem dentro daquilo que se espera ou que é previsto.  Em todo momento, grupos e indivíduos, em diversos contextos, realizam ações que não correspondem ao que a sociedade estabeleceu como normal, certo, ideal ou legal (de acordo com as leis). Na Sociologia, as ações que não correspondem ao que foi estabelecido e acordado previamente pela sociedade são chamadas de desvios sociais. 
      

 
 
                Os desvios sociais podem ser leves ou graves e podem acontecer em ambientes distintos. Por exemplo, se um filho desrespeita verbalmente seu pai ou sua mãe, isso representa um desvio no ambiente familiar, uma vez que de acordo com os valores sociais, essa atitude não é considerada ideal. O ato de denegrir o patrimônio escolar (como riscar as carteiras) é também considerado um desvio, pois infringe as normas da própria escola e até mesmo a legislação. Para os desvios, em geral, existem sanções sociais aplicáveis. As sanções sociais podem ser formais ou informais. Para o caso do filho que desrespeitou os pais, imagina-se ter sido aplicado um determinado “castigo”, como não poder sair com os amigos no fim de semana. Nesse caso foi aplicada uma sanção informal, pois ela não estava prevista e nem regimentada/ escrita, originada dos critérios adotados pelos pais, segundo sua autoridade. Suponhamos que no caso do estudante que riscou a carteira, tenha sido aplicada uma advertência escrita da escola. Nesse caso, a sanção foi formal, tendo em vista que estava prevista no regimento interno da escola e se deu através de um documento.

                Alguns desvios sociais atingem o status de crimes. Considera-se crime todo desvio social que infringe diretamente a lei penal, gerando prejuízos sociais, em pequenos ou elevados níveis. As sanções sociais para os crimes são sempre formais, cabendo ao poder judiciário aplicá-las. Homicídios, racismo, roubos, poluição de rios, falsidade ideológica (adulteração de documento público ou particular) são alguns exemplos de crimes. A descrição e a categorização dos diversos tipos de crime é uma tarefa para as ciências jurídicas (Direito). Para as Ciências Sociais, em especial a Sociologia, cabe fazer as seguintes perguntas: quais são as causas do crime na sociedade? Quais são os fenômenos sociais associados a ele? Que fatores tendem a diminuir ou elevar sua incidência?
                Alguns sociólogos se dedicaram a compreender o fenômeno da violência, em especial do crime, na sociedade. Suas análises focalizam geralmente os grupos sociais e os aspectos amplos da sociedade, desconsiderando o indivíduo por si só. Dentre esses sociólogos, destacam-se o francês Émile Durkheim (1858-1917) e o estadounidense Robert Merton (1910-2003). As contribuições e análises desses pensadores foram muito significativas e serviram de base para diversos estudos acerca do crime.
                Durkheim viveu e escreveu sua teoria em um contexto social de profundas transformações, consequentes dos impactos da Revolução Industrial. O intenso êxodo rural, o inchaço populacional, o crescimento urbano desordenado e o desemprego criavam situações desfavoráveis à harmonia social. A crise e o caos da sociedade industrial se manifestavam no aumento significativo de casos de crime e suicídio. Isso levou Durkheim a concluir que o crime estava diretamente vinculado a um sistema social que não funcionava corretamente. A ordem e as leis já não davam mais conta de segurar os indivíduos, que em um contexto de crise, estavam a buscar sua sobrevivência dentro de uma realidade competitiva e com poucas oportunidades. Durkheim utilizou o termo anomia para definir esse quadro de desintegração e enfraquecimento das normas, característico de uma sociedade que estava em profunda crise. Segundo o autor, a intensidade de crimes está diretamente associada ao quadro de anomia de uma sociedade, uma vez que os indivíduos tendem a refletir a estrutura social em que estão inseridos.
 
 
                Robert Merton, autor contemporâneo reestruturou o conceito de anomia de Durkheim. Segundo o autor, existe na sociedade uma estrutura cultural, que reflete os objetivos a serem alcançados pelos indivíduos – inclui-se ai os valores, os padrões e as normas ditados socialmente. Atualmente é possível indicar que fazem parte da nossa estrutura cultural o ingresso no mercado de trabalho, um nível de consumo satisfatório, o respeito às leis, uma aparência dentro dos padrões de beleza estabelecidos, a inclusão tecnológica, dentre outros aspectos. Em suma, trata-se daquilo que a sociedade espera e exige dos indivíduos. Contudo, indivíduos e grupos estão distribuídos dentro de uma determinada estrutura social, que distribui diferenciadamente os recursos para atingirem os objetivos sociais (estrutura cultural). São alguns desses recursos: educação, renda, contextos familiares, moradia, segurança, acesso à cultura e outros.
                Merton aponta que as chances de desvio e crime são maiores quando, diante dos objetivos da estrutura cultural, os indivíduos não possuem os meios para atingi-los. Dessa forma, é possível concluir que quando os recursos e as oportunidades sociais são desproporcionalmente distribuídos há mais chances de ocorrência do crime. É importante salientar que essa explicação não engloba apenas os elementos materiais, como renda por exemplo, pois caso contrário não teríamos incidência de crime entre as classe mais favorecidas. Essas oportunidades e recursos situam-se em diversos aspectos, inclusive no próprio contexto dos agentes de socialização como a família e a escola.
                Compreender o crime não é uma tarefa tão simples. É preciso relacionar os diversos atores sociais envolvidos na produção desse fenômeno, bem como valorizar as particularidades de cada situação ou contexto criminal. Não basta estudar somente os criminosos, mas também como o restante da sociedade reage ao crime. Sociologicamente, é preciso compreender as instâncias que se relacionam com ele, como a escola e o sistema jurídico, o sistema penitenciário, a própria legislação, entre outros. Também vale ressaltar a importância de não estigmatizar o crime, seja por aspectos de qualquer ordem (cor, classe, lugar, sexo ou origem). Caso contrário, estaremos reproduzindo aquilo que a própria sociedade acaba por fazer, muitas vezes inconscientemente.